Análise: 40% dos times da Série A já trocaram de técnico no ano; os estaduais importam

A uma semana do começo do Brasileirão, oito dos 20 clubes já passaram por mudanças no comando – três só neste domingo, ainda no vestiário, por perderem clássicos

O Brasileirão de 2019 começa no próximo sábado. Seis dias antes, três dos 20 clubes do campeonato (15% deles) demitiram seus treinadores. Eles caíram, em grande parte, porque cometeram um pecado mortal: perderam para rivais – e pouco importa que tenha sido em campeonatos muito menores do que aquele que começa no sábado.

Alberto Valentim (Vasco), Lisca (Ceará) e Maurício Barbieri (Goiás) foram demitidos no comecinho da noite deste domingo, sem cerimônias, recém-saídos de clássicos contra Flamengo, Fortaleza e Atlético-GO. Na prática, foram guilhotinados por dirigentes que usaram o fracasso como argumento para mandá-los embora (e que teriam agido diferente no caso de título, porque aí, em um efeito mágico, estaria tudo bem).

Alberto Valentim, Lisca e Maurício Barbieri são demitidos depois das finais dos estaduais — Foto: Editoria de arte
Vasco, Ceará e Goiás se juntam a cinco clubes da Série A que também trocaram de treinadores nos primeiros quatro meses do ano, quando os estaduais esquentam os motores da temporada em meio aos primeiros jogos de Libertadores e Copa do Brasil. Os outros foram Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Chapecoense e São Paulo.

É só mais uma temporada regular no Brasil: 40% dos clubes da Série A mudaram de técnico antes mesmo do início do Brasileirão, no período (ou por causa) dos estaduais.

Barbieri é um caso emblemático: saiu do Goiás com 73% de aproveitamento e apenas 21 jogos. Perdeu quando não podia: os dois jogos da final para o Atlético-GO (3 a 0 e 1 a 0) – e já tinha caído para o CRB na Copa do Brasil.

Em geral (não foi o caso de Levir Culpi no Atlético-MG e não foi totalmente o caso de André Jardine no São Paulo), os demitidos foram vitimados por máquinas moedoras de treinadores – os estaduais, aqueles campeonatos que são valorizados quando conquistados e diminuídos quando perdidos.

O impacto de torneios regionais se explica pelo tanto que a emoção soterra a razão no futebol brasileiro. São neles que os clássicos ficam mais evidentes. Derrotas em clássicos geram irritação, irritação gera pressão, e a pressão cai no colo do lado mais amador do futebol brasileiro – os dirigentes. E aí dirigentes demitem treinadores.

A questão é que os estaduais importam. Talvez não devessem, talvez fosse melhor se não importassem, mas importam. Afinal, quantos clubes efetivamente conseguem deixar os regionais de lado, como faz o Athletico-PR?

Há quem só os abandone no discurso. No ano passado, depois de toda a polêmica da final do Paulistão, em que alegou interferência externa no clássico contra o Corinthians, o Palmeiras passou a diminuir o torneio regional, classificando-o como “Paulistinha”. Veio 2019, e o clube, campeão brasileiro meses antes, foi eliminado nas semifinais do Paulistão para o São Paulo, nos pênaltis. Antes do jogo seguinte, torcedores arremessaram pedras no ônibus que transportava o elenco para um jogo... da Libertadores, na qual o Palmeiras tem 75% de aproveitamento em seu grupo.

Os estaduais direcionam humores. É interessante o efeito dos campeonatos regionais sobre os treinadores em 2018. Renato Portaluppi foi campeão gaúcho e terminou o ano no Grêmio. Mano Menezes foi campeão mineiro e terminou o ano no Cruzeiro. Fábio Carille foi campeão paulista e só saiu do Corinthians porque quis – e basicamente também voltou quando quis. Alberto Valentim foi campeão carioca e só saiu do Botafogo porque quis – e, um ano depois, foi demitido do Vasco porque não foi campeão carioca de novo. Os estaduais importam.

Na semana passada, o técnico do Liverpool, o alemão Jürgen Klopp, em entrevista ao canal Esporte Interativo, comentou a enorme rotatividade dos treinadores no futebol brasileiro. E reforçou o que deveria ser óbvio: a necessidade de se unir convicção e paciência. Disse ele:

– Você tem que sentir junto com o time, trabalhar junto, e isso não pode ser feito em uma semana, um mês, até mesmo em um ano. Esteja certo sobre o cara que você está contratando e dê tempo a ele.
No Brasil, onde a média de permanência de um treinador nos clubes da elite é de seis meses, o caso mais exemplar da lição de Klopp foi Tite no Corinthians. Ele foi eliminado na primeira fase da Libertadores em fevereiro de 2011 e perdeu para o Santos a final do Paulista em maio. E foi mantido no cargo. Em dezembro do ano seguinte, era campeão mundial, depois de também ter conquistado a Libertadores (de 2012) e o Brasileirão (de 2011) pelo clube. Convicção e paciência.

Mano Menezes é bicampeão mineiro e bicampeão da Copa do Brasil com o Cruzeiro. E tem a melhor campanha da Libertadores da América, com 100% de aproveitamento, passadas quatro rodadas. É ele o treinador há mais tempo no comando de um clube da Série A brasileira: completa, nesta segunda-feira, mil dias no cargo. Em julho de 2017, torcedores fizeram um protesto no CT pedindo sua demissão. A diretoria o manteve.

O contrário também pode funcionar. Trocar de técnico, claro, faz parte do jogo – e há casos de clubes que se deram muito bem ao arriscar: lembremos da revolução de Felipão no Palmeiras campeão brasileiro no ano passado, ou do Inter cometendo a aparente loucura de trocar Jorge Fossati por Celso Roth nas semifinais da Libertadores que conquistaria em 2010, ou de Cuca salvando o Fluminense do rebaixamento em 2009.

Mas são mudanças que costumam funcionar quando há algum método, alguma convicção por trás – quando há alguma razão infiltrando-se em um mundo de emoções incentivadas pelos estaduais.

Fonte: globoesporte.globo.com


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